BALADA-FAMÍLIA

Pais e filhos se esbaldam nos
Centros de Tradições Gaúchas

Adalto com a mulher, Ana: um dos raros gaúchos do CTG

Rodrigo e Manoela se conheceram no centro

Toninho, patrão do 20 de Setembro, frequentou um CTG em Boston


Desde já, uma promessa: ''bah'', ''tchê'' e outros clichês gaudérios estão terminantemente proibidos nesta matéria. A idéia, aqui, é entender o fenômeno dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs), espaços culturais e festivos que atraem milhares de pessoas todos os fins de semana no Paraná.

Estima-se que, somados, os CTGs paranaenses possuam 300 mil filiados. Só em Curitiba e na Região Metropolitana há mais de 50 centros - de grupos de amigos que se reúnem apenas para dançar a entidades fortemente estruturadas. Destas últimas, duas foram visitadas pela reportagem. Uma considerada de elite e a outra, mais popular.

Clube de classe média alta, o Santa Mônica tem um departamento exclusivo para a cultura gauchesca. É o CTG Querência, fundado em 1989 e atualmente presidido pelo construtor Adalto Missaggia, 49 anos. O ''patrão'', como se diz no linguajar típico, conta que 150 associados frequentam o centro, mas uma cota de 50 convites é distribuída para não-sócios.

Nascido em São Luiz Gonzaga (RS), Missaggia é uma exceção no grupo, formado em sua maioria por paranaenses e catarinenses. Nada mais normal. Para os tradicionalistas, há uma diferença entre ser gaúcho e riograndense. Trata-se de um estado de espírito, e não de uma questão territorial. Não à toa, hoje existem CTGs nos quatro cantos do mundo.

Que o diga o marceneiro Toninho Pontes, 42, patrão do centro 20 de Setembro, com sede na periferia de Curitiba. Antes de assumir o cargo, o paranaense de Irati passou quatro anos trabalhando em Boston (EUA), onde foi acolhido por um CTG logo em seu primeiro dia na América. ''Mal cheguei na cidade e encontrei um grupo de catarinenses assando uma carne. Senti que estava em casa'', recorda.

Surgido em 1962, o 20 de Setembro foi o primeiro galpão nativista fundado fora do Rio Grande do Sul. É totalmente aberto ao público, que costuma lotar o salão de baile nos eventos realizados a cada 15 dias. ''Aqui o poder da guaiaca não conta'', diz, referindo-se à bolsa de couro que faz parte do traje gauchesco.

Os perfis dos CTGs podem ser diferentes, porém o discurso dos tradicionalistas é uniformizado. Uma prova de que o movimento não se diluiu com a expansão. É unânime, por exemplo, o reconhecimento da contribuição paranaense para a cultura gaúcha.

''O gauchismo agrega elementos do sul de São Paulo até a tríplice fronteira'', explica o corretor de imóveis Rogério Pankievicz, 46, coordenador do Querência. ''A influência do tropeirismo paranaense é muito forte'', afirma Helenita Kaefer, 55, diretora de relações públicas do Movimento Tradicionalista Gaúcho do Paraná, entidade que reúne os CTGs do Estado. ''A erva-mate usada para fazer o chimarrão é daqui'', reforça Toninho.

Origens à parte, o que faz dos CTGs um dos programas mais concorridos do fim de semana é a possibilidade de se divertir com a família toda. ''Eu, que sempre gostei de bailes, tive de deixar isso de lado depois que meus filhos nasceram. Quando me aproximei dos centros, descobri que podia levá-los a todas as festas'', conta Helenita.

Para Pankievicz, o gauchismo é a única cultura festiva aberta a indivíduos de todas as idades. ''Aqui vale tudo, do mamando ao caducando'', brinca. Ele diz que seu filho adolescente não liga muito para o tradicionalismo, mas participa de quase todos os eventos do grupo. ''Acontece, inclusive, de um jovem ser trazido por um amigo, gostar e depois voltar com a família'', afirma.

Criados dentro do 20 de Setembro, os três filhos de Toninho já dormiram muito nas cadeiras do salão, como ele mesmo revela. Inclusive durante a temporada norte-americana. ''Os policiais ficavam admirados com aquilo, porque lá as crianças não participam de festas noturnas'', lembra.

Seja aqui ou no Japão (sim, existem CTGs até na Ásia!), o gauchismo deixou de ser um traço regional para se consolidar como uma cultura brasileira. E, de quebra, uma das poucas ''baladas-família'' dos dias de hoje.

FUTURO GARANTIDO

Ao contrário de outras culturas antigas, sempre em luta para preservar sua memória, o gauchismo tem herdeiros de sobra. A adesão dos mais novos, definitivamente, não é um problema para os CTGs. Principalmente no interior, onde as opções de lazer são mais limitadas.

''Ou você vai ao CTG, ou fica em casa mexendo no computador'', diz o bancário Rodrigo Guidolin, 25, vindo de Medianeira. Filiado ao Querência, ele namora há seis meses a estudante Manoela Zontea, 21. Os dois se conheceram no centro, onde atuam como ''primeiro peão'' e ''primeira prenda''.

Peões e prendas são os homens e mulheres do grupo, sendo que os ''primeiros'' representam a casa nos concursos disputados entre CTGs. ''É uma rivalidade sadia. Todos se tratam com muito respeito, mas no tablado (onde se dança) cada um quer ser o melhor'', afirma Guidolin.

Os peões devem fazer tranças com couro, dar nós em lenços, laçar novilhos, encilhar e limpar cavalos. A competição entre prendas parece ser mais complicada. Tudo começa com a ''prova da vivência'', em que a candidata deve apresentar uma pasta com documentos que comprovem seu envolvimento com o tradicionalismo (como fotos antigas e certificados de participação em seminários).

Em seguida, vem a avaliação cultural, com perguntas sobre História, Geografia e folclore, além de uma redação. Depois, na prova artística, as moças dançam, cantam, declamam poesias e tocam instrumentos. Por fim, são testados os dotes culinários e manuais das concorrentes.

Longe dos pais, Guidolin diz que encontrou no Querência o ambiente familiar do qual sentia falta desde a mudança para Curitiba. ''Quando cheguei aqui, até passei um tempo sem ir a um CTG. Mas simplesmente não consegui ficar longe'', confessa.

O peão ainda conta que escreve poemas e ''causos'' com um toque de atualidade. Como a história do gaúcho que não entende por que o filho fica ''batucando na frente da televisão'' (quando, na verdade, ele está digitando no teclado do computador). ''Mesmo de leve, tem de haver alguma mudança. Porque uma cultura sem inovação não cresce'', reflete.

por OMAR GODOY
com fotos de MAURO FRASSON
dezembro de 2008

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