MERCADO DO RISO

Meio teatro, meio balada,
o show de humor em bares
movimenta a vida noturna

Zeni, adepto da escola do stand-up comedy

Para Fábios Lins, humor de improvisação é a nova onda

Silveste como o motorista que adora dirigir, mas odeia passageiros


Última terça-feira, por volta das 21 horas. Cerca de 100 pessoas esperam pelo show do comediante Fábio Silvestre e seus convidados no bar Era Só o que Faltava, em Curitiba. São, basicamente, casais jovens de classe média alta, que podem gastar R$ 100 em uma noite de meio de semana. No canto esquerdo do lugar, um grupo grande comemora o aniversário de uma moça.

Shows cômicos em bares viraram uma opção de entretenimento em capitais como o Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. Mais despojado do que o teatro, menos agitado do que uma balada, esse tipo de programa atrai um público em franco crescimento. É diversão leve e despretensiosa - se alguém busca profundidade, entrou no lugar errado.

Silvestre, ator experiente e com vários prêmios no currículo, segue um estilo de humor mais tradicional, baseado em personagens populares. Como o motorista que adora dirigir, mas odeia passageiros. Ou o malandro carioca recém-chegado a Curitiba. E ainda o ex-ator pornô que reconhece antigos colegas na platéia.

A programação da noite, batizada de Café Comédia, também destaca Marco Zeni, outro egresso do teatro que faz sucesso no circuito do humor. Sua escola é a do stand-up comedy americano, mais conhecida no Brasil a partir do seriado Seinfeld. A fórmula é (aparentemente) simples. Nada de figurinos, maquiagem ou qualquer outro recurso cênico. Apenas o comediante, em pé, fazendo observações sobre o cotidiano.

Pouco mais de uma hora depois, o grupo volta ao palco para as despedidas. Silvestre anuncia que, na próxima terça, haverá um convidado especial: Felipe Andreoli, um dos repórteres do humorístico CQC, da Bandeirantes. O platéia se anima. Na semana passada, outro comediante do programa, Rafael Cortez, veio à cidade para duas apresentações. Acabou fazendo sete números.

Uma das raras surpresas da tevê nos últimos anos, o CQC soube captar o novo boom do humor que acontece no Brasil. Formou seu elenco com alguns dos nomes mais badalados do meio, como Oscar Filho, Danilo Gentili e Rafinha Bastos, hoje recebidos como rockstars por onde passam.

Atrações como Pânico (Rede TV) e Zorra Total (Globo) também abrigam figuras consagradas nos palcos. E aí se incluem, ainda, atores vindos de espetáculos teatrais mais afinados com o gosto do público jovem, a exemplo do pioneiro paulista Terça Insana. Em Curitiba, essa vertente é representada pelo grupo Antropofocus, responsável por hits locais como Pequenas Caquinhas e Amor e Sacanagens Urbanas.

Identificação é a palavra-chave para se entender esse cenário. Cansada das velhas anedotas de português e dos esquetes paródicos no estilo Casseta & Planeta, a nova audiência quer ouvir piadas que tratem de seu cotidiano. Na noite de terça, por exemplo, temas atuais como Orkut, Big Brother e Obamania foram os mais festejados.

Mas a origem dessa movimentação também está em sua própria logística. Se uma peça de teatro convencional precisa de pelo menos dez pessoas para sair do papel, um show de humor é o comediante e nada mais. Tudo muito barato, descomplicado e direto. O resultado é uma maior proximidade do artista com a platéia.

Proximidade, aliás, que é a tônica dos tempos atuais. O espectador deixou de ter uma atitude passiva diante do que assiste. Quer interagir, participar e, se possível, produzir o conteúdo. Vide os vídeos pessoais exibidos no Fantástico, as votações dos reality shows, as perguntas dos internautas lidas nos jogos de futebol, etc. Nesse sentido, a nova cara do humor é só mais um traço de um fenônemo muito maior.

SER OU NÃO SER (STAND-UP)

Se a questão é proximidade, o público local não tem do que reclamar. Nos shows da nova geração de humoristas, não faltam piadas sobre Curitiba. A simples menção à sacola de determinado supermercado ou a um restaurante de Santa Felicidade faz as pessoas rirem.

Comediantes como Fábio Silvestre e o já veterano Diogo Portugal vão mais fundo e contróem personagens extremamente curitibanos. "Pode parecer que não, mas tem muita gente engraçada nesta cidade", ironiza Silvestre, criador de tipos facilmente reconhecíveis no cotidiano.

Essa distinção entre intérprete de personagem e stand-up comedian é motivo de uma certa polêmica no meio. Há quem se saia bem nas duas funções (como Portugal) e aqueles totalmente voltados para o formato mais puro. Marco Zeni é um deles.

"Sou mesmo um xiita com as regras do stand-up", admite o ator, "dono" de uma noite de humor semanal no bar Santa Marta, a Santa Comédia. De acordo com ele, o sucesso da fórmula tem atraído oportunistas que simplesmente ignoram o conjunto de técnicas que envolve o gênero. "Não vou dizer o nome, mas teve um cara do CQC que passou por aqui e não conseguiu fazer a coisa direito", conta.

Zeni está falando do já citado Rafael Cortez, um ator de formação que, aproveitando a fama do programa, resolveu se arriscar na "comédia em pé". Sobre a tentiva, Portugal não faz rodeios. "Só três do elenco do CQC sabem fazer stand-up: Danilo Gentili, Oscar Filho e Rafinha Bastos".

Desbravador do humor em Curitiba, Portugal criou um circuito praticamente sozinho. Mesmo Silvestre e Zeni vieram um pouco depois. Com a experiência de quem já se apresentou para apenas dez pessoas e hoje leva mais de 100 à sua noite fixa no John Bull, ele comenta a inflação desse mercado. "Esses dias eu cheguei em casa e minha empregada estava testando um texto de stand-up", brinca.

Apesar da invasão dos caroneiros, Portugal acredita que a nova febre do humor também é boa para os pioneiros. "Ajuda a diminuir a discriminação que eu sofri no meio artístico, por não ter vindo do teatro", diz.

O fato é que a atividade dá dinheiro. "Já ganhei mais em um mês no bar do que em dez anos no teatro", afirma Zeni. "Uni o útil ao agradável. O prazer de estar no palco com o prazer de ganhar dinheiro", arremata.

O cachê para uma única performance pode variar de R$ 2 a R$ 20 mil, caso dos integrantes do CQC. Mas o bar é apenas uma vitrine para os comediantes, que faturam mesmo com os shows fechados - aniversários, festas de família, eventos corporativos. Nos últimos meses do ano, 80% da agenda dos artistas é tomada pelas apresentações em empresas.

Talvez por isso, não há muita rivalidade entre as noites de humor. Pelo contrário. Silvestre e Zeni, por exemplo, dividem custos para trazer atrações de fora, que acabam se apresentando nas duas casas.

"Acho que essa amizade é uma atitude anticuritibana, levando-se em conta a média da nossa classe artística. No meio da música não existe cooperação, e até hoje nenhuma banda daqui aconteceu nacionalmente", compara Silvestre, acostumado a se apresentar no Rio e em São Paulo.

O PRÓXIMO BOOM

Já é possível dizer que há uma segunda geração do humor curitibano. Gente que viu de perto o surgimento da cena e entrou no jogo sem ter de enfrentar o percalços dos desabravadores. "O Fábio Lins é um dos que chegou com uma visão mais profissional da coisa", afirma o xará Fábio Silvestre.

Lins, de 22 anos, passou de ator mirim a comediante com a ajuda de Silvestre. Há pouco mais de um ano, estreou no Café Comédia e não parou mais. Começou fazendo personagens e migrou para o stand-up comedy. Hoje comanda, com Marco Zeni, a noite Santa Comédia.

Ele explica que um show de humor não se sustenta apenas com piadas engraçadas. "Da disposição das cadeiras ao atendimento dos garçons, tudo conta. É importante que o dono da casa também invista na produção, dividindo, por exemplo, os custos quando se traz uma atração de fora".

A divulgação é outra chave para o sucesso, mas não da maneira convencial. Em vez de mandar releases para a imprensa, os produtores exploram a internet - mandando e-mails, entrando em comunidades do Orkut ou disponibilizando vídeos de apresentações no YouTube.

Ou seja: mais uma prova de que a marca do movimento é mesmo o contato direto com o público. "No fim das contas, o que importa é o boca-a-boca", diz Lins.

Sobre o boom do humor, ele faz uma ressalva. "Existe uma febre, claro. Mas há muitos flashs que apenas piscam, trabalhos que não se mantêm. Noites de comédia realmente estruturadas, como a nossa, devem ter apenas umas cinco no Brasil inteiro".

Além de atuar no Santa Comédia, Lins dirige o grupo Nu Improviso. Como diz o nome, trata-se de uma trupe especializada no humor de improvisação, desenvolvido a partir de jogos com a platéia - que, de certa forma, influi na condução do show.

Trata-se de mais uma escola americana, que vem ganhando adeptos Brasil afora (em Curitiba, a Cia dos Palhaços também está em cartaz com um espetáculo do gênero). "Esse vai ser o próximo boom", acredita o diretor.

PRIMEIRAS PIADAS

Hélio Barbosa, Richard Rebelo, Vitor Hugo, Alisson Diniz, Léo Lins, Miau Carraro... O cenário do humor curitibano tem outras figuras que ainda não foram citadas aqui, inclusive femininas. Como Fabiula Nascimento e Katiuscia Canoro, hoje famosa por conta da personagem Lady Kate, do programa Zorra Total.

Aspirantes também não faltam. Eles geralmente tentam a sorte fazendo pequenas aparições em noites consagradas, como a do Café Comédia, que abre espaço para um show de calouros. Foi assim que Bia Franzolin, 33, deu seu primeiro passo no circuito.

Já foram três apresentações desde outubro do ano passado, quando Bia estreou a personagem Baranga da Night, uma feiosa que só conquista homens bêbados e lamenta o advento da Lei Seca. Formada em artes cênicas, ela trabalha como designer em uma agência de publicidade "por motivos financeiros", mas está focada novamente na interpretação.

Envolveu-se com o meio ao trabalhar na produção do Risorama, evento de humor paralelo ao Festival de Curitiba. Em seguida, encomendou alguns textos para um amigo redator, seu colega na agência. "Já temos 15 personagens prontos, só preciso de mais oportunidades para me desenvolver", diz.

Para Bia, cujo currículo inclui cursos de atuação no exterior, a nova onda do humor aproxima o público do ator. "O teatro no Brasil é uma coisa muito cult, a pessoa precisa de uma biblioteca para entender o texto. O show em bar é diferente. Tem uma linguagem simples, fala de situações que todo mundo passa".

Quanto ao fato de haver poucas mulheres no circuito, ela não se intimida. "Me sinto muito à vontade no meio dos humoristas. Além do mais, a dificuldade de ser mulher dentro de um universo masculino é a mesma que existe na publicidade e em outros meios", garante a iniciante.

por OMAR GODOY
com fotos de divulgação
fevereiro de 2009

Um comentário :

energia disse...

humor é humor e pronto,voces estao de parabens por mais esse novo projeto,sou de bh e gostaria muito que esse projeto ganhase força aqui tambem.