OS TRIBALISTAS

Comunidade alternativa
nos arredores de Curitiba
é marcada pela autogestão
e o desapego aos bens materiais

Cerca de 50 pessoas, entre adultos e crianças, vivem na comunidade

Benyah: em busca de "relações verdadeiras"

Shoresh e família: "Essa vida é para encher a Terra inteira"


Nosso guia nesta reportagem é um gaúcho de 48 anos que largou tudo - inclusive o próprio nome - para ter uma ''vida preservada''. Rebatizado como Benyah, ele mora com outras 50 pessoas numa comunidade alternativa em Campo Largo, a 15 quilômetros de Curitiba. Separado do resto da sociedade, o grupo tem um único objetivo: viver, na prática, o amor pregado por Jesus Cristo.

Engenheiro Civil, Benyah deixou a cidade de Osório (RS) em busca de ''relações verdadeiras''. Visitou comunidades autogeridas em vários lugares do Brasil e da América Latina, mas não encontrou o que procurava. Mesmo as tribos indígenas, ele conta, estavam contaminadas pela perversidade.

Sua crença na humanidade já estava perdida quando, em 2002, durante o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, ele conheceu dois ''andadores'' (divulgadores) das Doze Tribos de Israel. Trata-se de um movimento internacional, dividido em confederações, que já conta com mais de 2.500 adeptos em nove países. Organizados em um regime tribal, os membros seguem uma espécie de cristianismo primitivo. Valorizam a família e não se prendem aos bens materiais.

No Brasil, há três comunidades ligadas às Doze Tribos, todas instaladas no Paraná. Juntos, os grupos de Londrina, Campo Largo e Mauá da Serra reúnem cerca de 180 pessoas. Segundo Benyah, o movimento brasileiro começou no Nordeste, no fim dos anos 80, e se deslocou para o Sul na década seguinte, por conta do clima mais propício à agricultura.

Convidado pelos andadores, Benyah passou duas semanas em Londrina e se impressionou com o que viu. ''Descobri que a única regra aqui é o amor. O resto é direcionado pela necessidade das pessoas'', explica. Pouco depois, ele ganhou um novo nome (em hebraico, como é de praxe entre as tribos) e se mudou de vez para a comunidade de Curitiba, posteriormente transferida para Campo Largo. E lá se vão quase sete anos.

Separado, o engenheiro é pais de três filhos, que moram com a mãe no Rio Grande do Sul e o visitam nas férias. ''Tenho esperanças de que, um dia, eles venham morar aqui comigo'', confessa Benyah, que atualmente mora numa barraca. ''Mora'' é modo de dizer, pois os membros do grupo praticamente só dormem em seus espaços reservados. Passam o dia trabalhando e fazem as refeições todos juntos, em uma casa central no sítio de 10 alqueires.

O terreno é de propriedade da comunidade, que também possui uma fábrica de chás orgânicos, um carro e um ônibus. Além do chá, velas artesanais, sandálias de couro e pães caseiros garantem o sustento dos moradores. Sem contar os recursos automaticamente doados pelos ''irmãos'' quando se mudam para lá. ''Quem tem uma casa, dá uma casa. Mas há quem chegue aqui com dívidas'', esclarece Benyah.

Há cinco casas espalhadas pelo sítio, uma delas em construção. Casados e solteiros moram em lugares separados, sendo que as famílias têm quartos exclusivos. As crianças, cerca de 20, são educadas ali mesmo, de acordo com a filosofia do movimento. Cada adulto trabalha com o que mais se afina, e algumas mulheres se dedicam a lecionar. Uma das professoras é a londrinense Dodavah, 34, que há dez anos largou a faculdade de Marketing para se juntar ao grupo.

Solteira, e sem um parceiro na comunidade, ela afirma não sentir falta de ter um relacionamento afetivo. Buscar alguém fora dali também está fora de cogitação. ''Simplesmente não faz sentido'', diz. Benyah arremata: ''Isso não costuma acontecer. E se acontece, a pessoa vai embora''.

O caso mais comum é o de Shoresh, 29, que conheceu Zait, 22, quando já morava no sítio. Os dois se casaram e hoje têm uma filha de 2 anos, Chedavah. Ex-mergulhador profissional, ele não vê os pais há dois anos. ''Minha mãe, que é psicóloga, foi totalmente contra a minha mudança. Depois de um ano, ela se arrependeu e até já veio me visitar uma vez'', conta.

Shoresh faz questão de dizer que ele e seus ''irmãos'' estão separados, e não isolados da sociedade. Explica que, todas as sextas-feiras, no fim da tarde, a comunidade é aberta para convidados. Aos sábados e domingos, é a vez do grupo visitar Curitiba, para vender seus produtos e divulgar a filosofia das Doze Tribos.

Neste momento, aliás, há um grupo em Florianópolis preparando o que pode ser uma nova sede do movimento. ''A idéia é criar milhares de pequenos núcleos como o nosso. Essa vida é para encher a Terra inteira. É o plano de Deus'', afirma Shoresh, sem conter a empolgação.

APENAS O NECESSÁRIO

De acordo com Benyah, são poucas as regras que regem a vida na comunidade. A principal delas, ao que parece, é abandonar a individualidade para viver em função do grupo. Tudo é dividido, ele explica, ''mas não de uma forma comunista, rigorosamente igual''.

Cada irmão elabora uma lista do que precisa, e a distribuição de roupas e outros objetos pessoais é feita de acordo com as necessidades - que não são muitas, já que todos se vestem da maneira mais simples possível.

No entanto, existe uma certa rotina a ser seguida. Todos acordam às 6 da manhã e uma hora depois já estão reunidos na casa central. Ali eles rezam, cantam e dançam antes da primeira refeição. Também praticam exercícios, como caminhada e alongamento. O trabalho para valer começa às 8 horas. Há atividades para todos: limpar, cozinhar, lecionar, plantar, construir, costurar, etc.

O almoço, com base em alimentos naturais e orgânicos, inclui mais uma sessão de oração, dança e cantoria. O mesmo acontece no fim da tarde, quando termina a jornada. E assim vai, até às 22 horas, quando o grupo se recolhe para dormir. Televisão, nem pensar. ''A gente até tem uma. Mas só usa de vez em quando, para ver algum vídeo gravado aqui mesmo'', conta Shoresh, que teve sua festa de casamento registrada.

Nem tudo é harmonia na comunidade, claro. Quando surge algum impasse, é acionado um conselho composto por sete homens ''responsáveis'', como diz Benyah. As mulheres só podem participar de um outro conselho, formado por casais.

Normalmente, quem cria problemas são aqueles que contribuem menos para a coletividade. Se a situação se agrava, a pessoa é convidada a se retirar. ''Não deixamos os conflitos sem resolução'', garante Benyah. ''O que nos mantém unidos é justamente a paz que temos uns com os outros'', completa Shoresh.

UMA VIDA SIMPLES

Não foi sem uma dose de insistência que a reportagem da FOLHA conseguiu entrar na comunidade das Doze Tribos em Campo Largo. Como tudo é decidido coletivamente, a visita levou cerca de um mês para ser autorizada.

O sítio, de fácil acesso, fica a menos de 20 minutos de Curitiba. Chegando lá, fomos recebidos por Benyah e encaminhados para a casa central. Ali, uma senhora nos serviu o chá que eles mesmo produzem e um bolo de gosto forte.

Não fosse pelo entra-e-sai da criançada e a música étnica que tocava no aparelho de som, o silêncio reinaria no lugar. Nem a construção de uma nova casa, a poucos metros, parecia atrapalhar aquela calmaria.

Terminado o papo com Benyah, Shoresh e Dodavah (que passavam pela sala e aceitaram contar suas histórias), fomos levados para um giro pela propriedade. Tudo muito simples e rústico, a começar pelo quartinho que serve de sala de aula para os pequenos.

Também conhecemos a oficina, onde um grupo trabalhava com velas aromáticas e sandálias de couro. A fábrica de chás ficou para outro dia, pois está instalada em Rondinha, a poucos quilômetros dali.

Visitamos, ainda, uma morada no fim do terreno, próxima de um barranco. Era, até o dia anterior, o canto de Shoresh, que agora dorme com a família em um quarto da casa central. A estrutura? Cama de casal, berço e estante. O banheiro fica do lado de fora.

Antes de voltarmos para a redação, o grupo posou para uma última foto e nos convidou para almoçar. O cheiro da comida estava ótimo, mas tivemos de recusar por conta de nossos horários ''apertados''. Quando já estávamos no carro, a mesma senhora que nos serviu o lanche veio correndo entregar um pão caseiro de presente.

Na estrada, foi impossível não refletir sobre a rotina louca da cidade, a eterna pressa do jornalismo e os nossos filhos - que, ao contrário das crianças da comunidade, não estavam com os pais.

ORIGENS E CONTROVÉRSIAS

O movimento das Doze Tribos foi fundado nos Estados Unidos, no início da década de 70, por Elbert Spriggs e sua mulher, Marsha. O nome é inspirado nas unidades patriarcais do Antigo Povo de Israel, que, segundo a tradição judaico-cristã, originaram-se dos descendentes de Abrãao.

As primeiras reuniões aconteciam na casa dos Spriggs, em Chattanooga, no estado do Tennesse. Em 1972, o casal criou um ministério para jovens, a Brigada da Luz. Com o tempo, os membros perceberam que poderiam viver comunitariamente, dividindo tarefas e compartilhando os resultados. Boa parte de seu sustento vinha de um café, o Yellow Deli, o primeiro de uma série de lojas espalhadas pelos EUA.

Além dos cafés, as comunidades ligadas às Doze Tribos possuem negócios variados, como fábricas de produtos naturais (chás, velas, cosméticos, etc.), gráficas e indústrias de móveis. Estas últimas foram motivo de polêmica em 2001, quando se descobriu que crianças de um grupo de Nova York estavam envolvidas na produção.

Três anos depois, na Alemanha, sete integrantes de uma comunidade foram presos por educar seus filhos em casa - o que é proibido no país. Na esteira das denúncias, surgiram também acusações de racismo e anti-semitismo contra o movimento. Para se defender, os membros alegam que há muitos negros no grupo e destacam sua origem judaica.

Doze Tribos no Brasil

por OMAR GODOY
com fotos de MARCOS BORGES

4 comentários :

Tuca Doria disse...

É um estilo de vida interessante. E que deve ser respeitado.

claraluasilvia disse...

é a verdadeira vida,a vida ideal.
vida simples e pensamento elevado.........

Alex Dário disse...

As velas são ótimas e os calçados lindos!Fazem o maior sucesso!Os pães não conheço ainda mas devem ser magníficos como o chá!Os conheci numa feira anual de artesanatos aqui em BH!Por favor, sabe como posso contacta-los para encomendar mais sandálias?Ótima matéria e parabéns por seu trabalho!Obrigado por compartilhar esta forma modesta de vida, realmente quase necessária para muitos, nos dias de hoje!

Unknown disse...

Andei me correspondendo por e mail a alguns meses atrás com um membro da comunidade de campo largo, e a primeira impressão que tive é que são felizes sem as vaidades do nosso mundo.Aquele que me respondeu duas vezes, me pareceu receptivo de mente aberta, e convidou-me eu e minha família, a visitar quando quisesse. Acredito que a simplicidade é o caminho que leva a verdadeira paz e eles me pareceram que estão no caminho. Paz a todos irmãos das Doze Tribos e aos simpatizantes igualmente. Anderson -RS Músico compositor Banda Vida Simples