PROFISSÃO: PALHAÇO

Nova geração de artistas investe
na pesquisa de técnicas e linguagens

Hora da transformação: em busca da essência


Na carteira profissional de Rafael Barreiros, 26 anos, consta o registro de "Artista Malabarista Palhaço". Sim, a atividade circense é reconhecida pelo Ministério do Trabalho, inclusive com o detalhamento das habilidades do indivíduo - acrobacia, malabarismo, mágica, etc.

Rafael domina o equilibrismo, mas é, antes de tudo, um palhaço. Sua mulher, Milene, 27, também. Com outros quatro amigos, eles inauguraram, em dezembro do ano passado, o primeiro espaço cultural da cidade dedicado exclusivamente a esse tipo de expressão. Com sede no centro da cidade, a Cia dos Palhaços oferece oficinas e cursos na área, além de servir como um centro de pesquisa. Em breve, vai abrigar um palco para as apresentações da trupe.

Nenhum dos sócios vem de família circense. São todos, de alguma maneira, crias do Circo Novo, um movimento cultural que ganhou força no País a partir do fim dos anos 80 ao promover o diálogo da arte do circo com outras manifestações (teatro, dança, música, performance). A exemplo de grupos como Parlapatões e Intrépida Trupe, a Cia dos Palhaços investe no estudo da linguagem - nesse caso, da cômica.

"As pessoas acham que para ser palhaço é só colocar peruca e nariz vermelho", diz Felipe Ternes, 26, que trocou o agasalho de professor de Educação Física pelo figurino desproporcional dos bufões. "Muita gente pergunta: ‘Mas tem mesmo que estudar para ser palhaço?"’, acrescenta Eliezer Brook, 23, que começou a carreira como voluntário em hospitais, animando crianças doentes.

Para eles, há uma imagem distorcida da figura do palhaço na sociedade. A começar pela ideia de que se trata de uma atração apenas para os pequenos. O mais recente espetáculo da companhia, A Regra É Cômica, desmistifica esse conceito. É um show de humor, na linha da improvisação, voltado para adultos - e que acontece somente em sessões nortunas.

"Não gosto que me vejam como aquele palhaço que invade, assusta, desrespeita", resume Felipe, que no palco é chamado de Sarrafo. Aliás, como não poderia deixar de ser, todos na turma têm seu alterego cômico. Rafael e Milene são Alípio e Sombrinha. Eliezer escolheu um nome "de verdade", Wilson (e, talvez por isso, seja o mais engraçado). Completam o time Silvestre Phillippi, 28, o Macaxeira, e Nathália Luiz, 24, a Tinoca.

Mas o caminho para se tornar um palhaço não se encerra no aprendizado técnico, que envolve noções de comédia física, figurino, maquiagem e música. O grande desafio do artista é encontrar sua essência, seu lado rídiculo, e colocar isso para fora. "O ator veste um personagem quando entra em cena. Já o palhaço, ao contrário, expõe aquilo que ele mesmo esconde, sua verdadeira personalidade", explica Rafael.

Sendo assim, a famosa "síndrome do palhaço triste" (aquele que sorri quando, na verdade, quer chorar) não existe. "Se você está chateado, ou com raiva, você assume isso em cena", diz Felipe. Rafael emenda: "O importante é se divertir com a própria tristeza e não se levar muito a sério".

Ou seja: não há exatamente um trabalho de construção de personagem. Definindo vulgarmente, o palhaço é o próprio artista em versão, digamos, "amplificada". Para Nathália, noiva de Felipe, é uma questão de honestidade total. "No fim das contas, você passa por um processo de autoconhecimento muito grande", garante.

BUFÕES CORPORATIVOS

Autoconhecimento, autoajuda, autogestão... O mundo corporativo simplesmente adora qualquer conceito que tenha esse prefixo. Não à toa, a agenda da Cia dos Palhaços é tomada por eventos fechados, realizados em empresas. "Às vezes, há dois grupos que competem entre si dentro da empresa. A gente chega e já sente aquele clima tenso. Quando termina a oficina, está tudo mundo mais relaxado", conta Felipe.

"Não quero dizer que uma oficina de palhaço seja uma forma de autoajuda. Mas tem um lado terapêutico forte", diz Rafael. De acordo com ele, o foco do grupo está nos espetáculos, porém a subsistência vem dos eventos corporativos.

Essa nova onda de "inclusão" dos palhaços diminui o preconceito contra os artistas. Mas eles ainda passam por certos constragimentos quando têm de se identificar. Silvestre, por exemplo, lembra da ocasião em que foi testemunha de uma amiga num tribunal. "Antes de começar o depoimento, o juiz perguntou a minha profissão. Quando disse que era palhaço, ele fez uma cara de espanto, como se eu estivesse debochando".

Nessas horas, há quem prefira evitar esse tipo de situação. "Como não quero me incomodar, digo apenas que sou artista", diz Rafael, que tem dois filhos com Milene. "Senão as pessoas acham que a gente é palhaço 24 horas por dia. Como se eu dissesse para as crianças: ‘Se você não dormirem, vão levar uma tortada na cara!", diverte-se.

por OMAR GODOY
com fotos de LETÍCIA MOREIRA
janeiro de 2009

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