A VINGANÇA DAS NERDS

Aficionadas invadem o mundo masculino
dos games, quadrinhos, RPGs e afins

Mabel dá uma força para os rapazes do site Nerd Curitibano

Ana é fã da série Mochileiro das Galáxias

A cosplayer Luana: nerd, mas com uma queda pela aventura


Impossível não reconhecer o toque do celular da designer Carol Santos, 36 anos. É a Marcha Imperial, o famoso tema de entrada do vilão Darth Vader na série Guerra das Estrelas. Mais do que uma piada, o ringtone indica que Carol faz parte de uma tribo em franco crescimento: a das mulheres nerds.

Conhecidas como she-nerds, elas estão cada vez mais presentes nos eventos de quadrinhos, ficção científica, RPG, etc. Também dão suas opiniões em sites, blogs, twitters e comunidades virtuais. Algo impensável há dez, quinze anos, quando os encontros de aficionados praticamente só atraiam marmanjos - e, no máximo, uma ou outra namorada mais devotada.

"A própria palavra nerd agora tem outra conotação. Deixou de se referir ao estereótipo, bem americano, do cara de óculos viciado em computador", diz Carol. Ela tem razão.

A "nerdice", como se diz, hoje está mais associada à atitude de se aprofundar em algum assunto da cultura pop. "Minha vida acabou indo para um lado mais intelectual do que físico. Adoro pesquisar as coisas que me interessam. E eu simplesmente não consigo ter outro tipo de interesse que não seja cinema, música, videogame, etc", admite a designer.

Influenciada por um irmão 14 anos mais velho, Carol se apaixonou pelos Beatles ainda na infância. Implorava para entrar no quarto dele, repleto de discos, revistas e memorabilia em geral. Pouco tempo depois, quando sua irmã se casou com um japonês, veio outra revelação: o mundo dos jogos eletrônicos.

"Meu cunhado tem oito sobrinhos que naquela época já conheciam vários games. Era engraçado. Ficávamos eu e todos aqueles japinhas jogando o dia inteiro", lembra.

Se Carol é daquela época em que os nerds mal sabiam como era o cheiro de uma garota, as representantes da nova geração praticamente já se criam no meio. Graças à internet, elas perderam a vergonha de si mesmas. "Como as meninas são mais tímidas, acabam conhecendo as pessoas na web", explica a fotógrafa e desenhista industrial Ana Nemes, 20, fã da série de livros de humor e ficção científica Mochileiro das Galáxias.

Para a figurinista Luanna Castanho, 22, a internet é a válvula de escape das adolescentes superprotegidas pela família. "Os pais não deixam elas sair de casa, porque as ruas estão muito perigosas. Então ficam no Orkut o dia inteiro e ganham tudo o que querem", afirma a jogadora de RPG e campeã de concursos de cosplay (fantasias inspiradas em personagens de quadrinhos, filmes e animações).

Quando ficam um pouco mais velhas, e livres, as she-nerds não se privam de sair à noite, beber e se divertir. Porém de forma moderada, em lugares reservados e sem se arrastar madrugada adentro. "Prefiro um bar que toque música legal e a gente possa conversar", diz a designer Mabel Linberger, 23, colaboradora do site Nerd Curitibano.

Por sinal, a participação de várias designers, desenhistas e afins nesta matéria não é mera coincidência. "É que na faculdade a gente recebe muita referência de cultura pop, trash, cinema", justifica a designer Denise Chybior, 28, que também se aventura pelo terreno das artes visuais. É dela uma das esculturas da edição curitibana da Cow Parade, projeto de intervenção urbana que espalha vacas de fibra de vidro pelas cidades.

De volta ao tema "vida noturna", as she-nerds se dizem bem mais sociáveis do que seus pares masculinos. E ainda garantem ter um leque de gostos mais amplo. "Talvez seja uma característica feminina, de não ficar presa numa coisa só", opina Ana Nemes. "Não me considero totalmente nerd. É um lado da minha personalidade", garante Denise.

Ana, por exemplo, não dispensa um visual "mulherzinha", com direito a salto alto, vestido e unhas pintadas. Já Carol faz uma linha mais punk, que ela define como "nerdcore". A palavra, aliás, foi recentemente tatuada em seu braço - e se juntou aos outros oito desenhos que a designer tem no corpo.

O caso mais extremo é o de Luanna, conhecida como "Lua" nas rodas de cosplayers. Além de figurinista de um grupo de teatro, ela dá aulas de kung-fu e dança do ventre. De quebra, viaja por aí com a turma de um motoclube. "Sou eclética. Adoro uma aventura e também os meus amigos de cosplay. Eles não têm vergonha de brincar, de ser meio infantis", afirma.

Ok, não existe mulher 100% nerd. Mas elas não negam a "raça" quando a tentação fala mais alto. Como Carol, que dias desses largou os amigos numa mesa de bar para assistir em casa ao penúltimo episódio de Dexter, seu seriado favorito do momento. "Ninguém entendeu direito. E o pior é que o programa iria passar de novo depois!", diverte-se.

TODOS IGUAIS

Quando o assunto é relacionamento amoroso, as she-nerds são enfáticas: é muito mais fácil namorar alguém com os mesmos interesses. "Imagina conviver com uma pessoa que não sabem quem é quem em Star Wars", diz Ana, atualmente sozinha.

A afinidade, no entanto, não é tudo. Em algumas situações, pode até atrapalhar. "Além de se isolar mais, muitos caras nerds são arrogantes, acham que sabem tudo. Isso acaba irritando", adverte Denise.

Menos radicais do que os he-nerds, elas não vêem problema em se envolver com pessoas de fora do círculo de amizades. É o caso de Luanna. "Para falar a verdade, meu namorado acha o pessoal que anda comigo meio estranho", confessa.

No fim das contas, todas concordam em um ponto: fã ou não de Guerra nas Estrelas, o instinto masculino sempre prevalece. "Vendo de fora, você até acha que os nerds são mais delicados, sensíveis. Quando conhece melhor, percebe que não tem diferença nenhuma", afirma Mabel, que namorou um "cara bem nerd" durante 5 anos. Homem, pelo visto, é mesmo tudo igual.

por OMAR GODOY
com fotos de LETÍCIA MOREIRA (Mabel, Ana)
e MAURO FRASSON (Luana)
dezembro de 2008

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